Matemática dos Afetos

“Quando tiver uma filha vou chamar-lhe Paixão” revelou o guineense Carlos Sanha no decurso da visita solidária a uma das respostas sociais da Santa Casa da Misericórdia do Fundão (SCMF). Carlos Sanha, jovem estudante natural da Guiné Bissau, frequenta a Escola Profissional do Fundão (EPF), encantou-se com a história de vida e estórias da centenária no lar Nossa Senhora de Fátima, no Fundão, Paixão Tomás.

Léo Santos é de São Tomé e Príncipe e “nunca tinha estado ao pé de uma pessoa com cem anos”. O acontecimento, só por si, já merece comemoração até porque “a senhora está lúcida” diz-nos o simpático e afável jovem estudante que ouve atentamente as palavras de Paixão Tomás e lhe explica que “sete horas de avião” separam Portugal de São Tomé.

Estamos a acompanhar a visita de um grupo de alunos da EPF que veio à Misericórdia do Fundão realizar jogos com os seniores. Naquele instante dois estudantes alheiam-se da atividade que assinala o Dia Nacional da Matemática ouvindo com muita atenção as palavras de um dos símbolos de longevidade na SCMF.

Paixão Tomás consegue lembrar-se das antigas Colónias Portuguesas e torna-se o centro das atenções dos dois rapazes cujo objetivo era jogar damas. Em vez do jogo, as peças dão lugar às palavras, partilha-se conhecimento.

Adelina Nunes e Américo Adolfo são marido e mulher, assistem à conversa a três, e mal começa a pausa no diálogo, perguntam em uníssono “o que estão a fazer no Fundão, aqui no lar”.

Num registo de empatia e serenidade Carlos e Léo contam que estão no Fundão há um ano para estudarem. “Quando a gente é jovem nada nos mete medo”, comenta, segura de si, a centenária Paixão Tomás.

Ao grupo junta-se Geiseleide Lopes. Mostra os cartazes carinhosamente construídos e decorados com palavras de incentivo à matemática. Sorridente e cheia de energia, explica-lhes que é de descendência portuguesa. Adelina Nunes esboça um sorriso tão gigante que Geiseleide desafia a sexagenária a ler os dizeres dos cartazes.

Contente pela confiança e simultaneamente pelo desafio, a utente soletra cada sílaba e congratula-se por a “matemática da vida” ser “divertida”.

A vida daquele casal de Castelo Novo não terá sido a oitava maravilha do mundo, mas os minutos de conversa com os estudantes da EPF fizeram toda a diferença naquela jornada no lar Nossa Senhora de Fátima. Américo Adolfo “faz pocinhas na cara” e Geiseleide encanta-se com o pormenor.

Embalada pelo acolhimento e por sentir a partilha e transmissão de energia como algo “recompensador”, a futura psicóloga fala com todas as pessoas que, não estando a jogar, com os restantes alunos da EPF, parecem ávidas de dois dedos de conversa com o grupo de alunos estrangeiros.

Enquanto tira fotografias com os homens e mulheres ali instalados, Geiseleide confessa-nos o entusiasmo por ter conhecido pessoas “tão acolhedoras” e viver numa região “com lugares muito bonitos”.

José Salvado Aragão tem 92 anos, também se esforça para participar nas dinâmicas. Embora a memória não seja muita, consegue brincar e sorrir com a “dança” de cartazes com exercícios de matemática.

Enquanto isso, as mesas da sala de convívio da Estrutura Residencial para Idosos continuam cheias de vida. Olha-se em redor e fica-se com a certeza de que um simples jogo de damas, cartas ou dominó, estimula o raciocínio e refresca a mente. “Também jogaram loto, este não tem imagens e joga-se com números e feijões”, explicam os alunos.

Acompanhados das professoras Ana Cunha e Cecília Carvalhais os estudantes de 10 e 11º ano de escolaridade também promoveram o contacto com o computador e os jogos tecnológicos. Maria José Rigor experimentou e gostou da experiência.

O ritmo das conversas não deixou ninguém indiferente. O convívio, estimulação da criatividade e raciocínio promovidos pelos jovens estudantes quebrou a monotonia de quem está confinado à vida em lar.

Numa palavra dizemos: gratidão!

«O Nosso Homem» conversou com seniores da Santa Casa

Descreve-se como um “animal social” pois não sabe estar sem falar e conviver com os outros. Chama-se António Alves Fernandes escreve regularmente na imprensa regional e na blogosfera. Em 2017 reuniu em livro quinhentas das inúmeras crónicas de vida no livro «O Nosso Homem».

“Vocês no tempo que aqui passais, e que é muito, tendes tempo para falar de tudo e mais alguma coisa. Essa partilha faz-nos bem”, começou por dizer o contador de estórias que dinamizou a sessão de fevereiro do projeto «Conversas Com», realizada no lar Nossa Senhora de Fátima, resposta social da Santa Casa da Misericórdia do Fundão.

Vídeo no momento da sessão de partilha

Num registo informal, de pé, mesmo à beira dos homens e mulheres que no dia 21 de fevereiro quiseram participar na sessão, António Alves Fernandes falou-lhes ao ouvido. A sessão interativa permitiu à plateia perceber a importância dos serviços prisionais no percurso do antigo seminarista e combatente na guerra colonial.

“Ainda tenho o cordão umbilical ligado aos estabelecimentos prisionais. Quando fui diretor na cadeia vivi o drama das vidas humanas que tiveram familiares presos”, descreveu o orador.

António Alves Fernandes que é natural de uma terra de contrabandistas (Bismula no concelho do Sabugal) vive em Aldeia de Joanes (Fundão).É visita regular no lar Nossa Senhora do Amparo (Aldeia de Joanes) e gosta de escrever. “Desde pequeno, quando ainda se faziam redações na escola, me diziam que os meus textos têm qualidade. Fui escrevendo e gosto de me dedicar a contar estórias sobre pessoas, tradições populares e religiosas. Também escrevo sobre os Santos Populares ou a matança do porco”, descreveu.

António Alves Fernandes

Na sessão em que o ouviram com particular entusiasmo, António Alves Fernandes explicou que tem em mãos uma estória sobre um amolador do Alentejo que conheceu no Fundão.  “As pessoas são o mais importante, todas as pessoas e as profissões são relevantes”. Palavras ditas numa intervenção em que recorreu a figuras de estilo e metáforas transportando a conversa para questões da atualidade.

Também contou a estória de Florentino Lampreia, um sénior que mora no lar da Misericórdia (Fundão) cuja experiência de vida mereceu crónica no livro editado e há muito tempo esgotado. António Alves Fernandes não explicou se está na forja uma segunda edição de «O Nosso Homem» mas garantiu que escrever lhe faz bem.

Lê-lo e ouvi-lo também inspira qualquer pessoa. Ana Rosa, utente no lar Nossa Senhora de Fátima, rendeu-se à tertúlia e deixou escapar “acho o senhor maravilhoso”.

E naquele instante António Alves Fernandes ainda não tinha recordado a crónica dedicada ao «Senhor Adeus». Uma personagem que em Lisboa fazia adeus a todas as pessoas cuja movida e stress as impedia de falarem uma com as outras. “Hoje os transeuntes parecem estranhos uns com os outros e no entanto vivemos na globalização”, lamentou.

No fundo a conversa com António Alves Fernandes foi mais que um momento de partilha. Foi um momento retemperador, caracterizado por boas energias.

Venha mais vezes senhor António.