Gabinete de Ação Social o “coração” da Misericórdia

“O que nos caracteriza e diferencia dos restantes técnicos é termos uma paixão pela terceira idade. Aqui o grande foco são as pessoas”.

Ajudar até ao limite. Esse é o desígnio do Gabinete de Ação Social (GAS) da Santa Casa da Misericórdia do Fundão (SCMF). Foi criado em março de 2002 e é encarado como o “coração da Misericórdia”. O tom afirmativo de Elisabete Reis denota uma pontinha de orgulho corroborado pela restante equipa técnica. Coordenado por Lurdes Silva o GAS caracteriza-se por um percurso que também entusiasma Cristina Guedes e Tânia Batista.

A “procura incessante” de respostas para a multiplicidade de problemas provenientes dos mais variados estratos sociais é a missão da equipa que nas últimas semanas contou com mais um elemento. A estagiária Ana Cristina Cunha que elegeu este serviço da SCMF como escola de aprendizagem prática complementar à teoria assimilada na Escola Superior de Educação. “Há longos anos que a SCMF colabora com várias entidades que escolhem o serviço da ação social para acolhermos estágios curriculares”, contextualiza Lurdes Silva.

 

GAS 2

A Ação Social está no ADN da Misericórdia, desde sempre. O GAS existe há 15 anos mas antes da constituição deste gabinete importa esclarecer que no âmbito de um Projeto de Luta contra a Pobreza nasceu o CIDES – centro integrado de desenvolvimento social que acumulava a ação social da SCMF e a ação social inerente à luta contra a pobreza. Foi após a conclusão desse projeto que a SCMF constituiu o designado GAS. Esta valência da SCMF chegou a funcionar no edifício do antigo hospital do Fundão, na antiga sede social da Misericórdia e no NAI – núcleo de apoio a idosos. Há pouco mais de um ano mudou-se para a nova sede social da SCMF.

As boas práticas do agora designado GAS vêm de longe e com o passar dos anos ganharam notoriedade ao ponto de “inspirarmos outras entidades”. Aconteceu com a Casa Pia de Lisboa “onde chegamos a ir para dar a conhecer o nosso trabalho”. “Sempre fomos uma instituição modelo”. Outras entidades de natureza social, reconhecendo “as boas práticas de intervenção comunitária”, vieram ao Fundão “beber da nossa experiência”, explica Cristina Guedes.

“No âmbito do Projeto Rodas tínhamos uma unidade técnica que se dedicava à educação parental, pessoal e social. Também desenvolvíamos estudos que posteriormente foram fator preponderante no estabelecimento de parcerias, por exemplo, com a Universidade da Beira Interior que até permitiram recuperar habitações”. “Um modelo que trouxe ao Fundão técnicos do gabinete de ação social do Município de Cascais”, outra das entidades a reconhecer as competências da SCMF.

Orgulhosas do percurso e trabalho feitos, Cristina Guedes e Lurdes Silva quase se atropelam quando recordam os projetos, vitórias e frustrações de uma equipa que foi pioneira na constituição de um gabinete de apoio ao imigrante ou na abertura de uma cantina social. “Também realizámos aqui a primeira comemoração do Dia dos Avós. Estávamos em 2003”.

O entusiasmo é indiscritível quando Elisabete Reis nos fala da permanente cooperação entre entidades, instituições locais e regionais. Um modo de estar que se mantém pois a resposta do GAS ou da RLIS – rede local de intervenção social, que entretanto abriu na SCMF, depende muitas vezes dessa “partilha de meios e serviços”.

É essa cooperação que “nos permite continuar a responder a todas as solicitações de natureza social, salvo o apoio aos imigrantes pois o Município do Fundão dispõe desde há uns anos de um gabinete específico”. “Mesmo assim, quando nos aparece aqui um imigrante nós ajudamo-lo ou encaminhamo-lo para outras respostas”, esclarece Tânia Batista.

“Somos uma instituição modelo”

Embora a nomenclatura das respostas tenha mudado a SCMF continua a oferecer serviços de proximidade à região. “Continuamos a desenvolver as mesmas áreas exceto a formação profissional que existiu no tempo do projeto de luta contra a pobreza. Atualmente também damos formação educacional e parental aos agregados familiares que acompanhamos”, contam-nos as técnicas.

Desafiadas a partilhar com os leitores os momentos mais intensos do GAS ou as frustrações de quem muitas vezes se sente “impotente” para resolver situações em que as pessoas não aceitam ajuda, as técnicas da SCMF começam a desfiar memórias e entusiasmam-se sobremaneira no relato das vivências associadas à imigração.

“Nós chegámos a apoiar aqui russos, ucranianos e moldavos. Também acolhemos brasileiros cuja família conseguimos ajudar a legalizar e até criámos condições para lhe arranjar emprego”, descrevem.

Ao longo dos anos muitos imigrantes refizeram a vida no Fundão graças às intervenções do GAS e ao “acompanhamento de uma equipa multidisciplinar que muito trabalhou para a legalização desses estrangeiros”.

Mas também houve frustrações. Foi o caso de um jovem estudante ucraniano que chegou a estudar musica na Academia de Música e Dança do Fundão (AMDF) mas que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras não conseguiu ajudar a legalizar, obrigando o jovem a regressar a Kiev.

As respostas da SCMF eram de tal forma intensas que, com a ajuda de todos os parceiros e entidades oficiais, “nos permitimos realizar aqui um encontro informal de imigrantes ilegais”. Lurdes Silva recua a 2002 vincando a importância de “fomentar sinergias locais recorrendo até aos professores da AMDF que eram interpretes e muito nos ajudaram a encaminhá-los para aulas de português e posteriormente para os serviços e respostas integradas”.

O apoio aos estrangeiros mantém-se, ainda em 2010 o GAS recebeu e encaminhou para os serviços da SCMF um cidadão francês que foi abandonado e roubado em Portugal e escolheu refazer a vida no Fundão. “Hoje em dia continua a ocupar muito do seu tempo no nosso centro de dia onde lhe servimos as refeições”, confirma Elisabete Reis.

A relação do GAS com a imigração é atualmente sazonal e prende-se com a época de colheita da cereja no Fundão. “Muitas dessas pessoas chegam para a apanha da cereja vêm ao GAS solicitar respostas e apoios para as refeições”.

“O GAS é transversal a toda a Misericórdia”

Instalado no primeiro piso da sede da SCMF ao pé da Quinta Pedagógica do Fundão o GAS que “é transversal a toda a instituição” recebe diariamente dezenas de pessoas que pretendem “inscrever-se” nos lares, centros de dia ou solicitar apoio domiciliário.

Um trabalho intenso e diversificado pois cada “pessoa tem uma história para a qual criamos uma resposta integrada e individual”, esclarece Lurdes Silva.

Na sala com vistas para a Quinta Pedagógica e para a Gardunha a beleza da paisagem nem sempre é suficientemente inspiradora para agilizar respostas pois “somos deficitários” em número de camas e em vagas até para centro de dia.

De acordo com Lurdes Silva, “só em algumas respostas”, nas aldeias, é possível encontrar vagas em centro de dia uma vez que “no Fundão não temos capacidade para acolher mais utentes”. Uma dificuldade que se acentua nas Estruturas Residenciais para Idosos onde “precisamos igualmente de mais camas” e nas Unidades de Cuidados Continuados Integrados (UCCI) de média e longa duração.

“A nossa maior frustração é percebermos que não respondemos em tempo útil” às solicitações de quem envelhece, fica sozinho ou tantas vezes tem alta hospitalar e não tem família. Lurdes Silva aponta o dedo ao Estado que “não abre novos acordos de cooperação” com as entidades sociais que tantas vezes se substituem à família acolhendo e cuidando de quem precisa, de um lar ou UCCI e esbarra na “falta de espaço” ou na indisponibilidade do Estado para financiar novas respostas.

“Ajudamos até ao limite”

No GAS “tocamos em todas as valências” da SCMF. De forma direta ou indireta “estamos em contacto permanente” com o exterior, “continuamos a fazer visitas domiciliárias, agilizamos intervenções de natureza institucional, acionamos outros colegas sempre em prol das pessoas e da comunidade”, explicam.

Um trabalho multidisciplinar que também se realiza em contexto institucional pois a SCMF integra o Centro Local de Ação Social. Exemplo deste trabalho é a disponibilidade de afetação das técnicas Tânia Batista e Lurdes Silva para projetos na área da intervenção social como a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens em Risco e a Comissão Municipal de Proteção à Pessoa Idosa do Fundão.

Mas a abrangência social da SCMF estende-se ao concelho da Covilhã e nesse sentido è habitual que também as forças vivas daquele território procurem o GAS para perceber das “ofertas e serviços de apoio a pessoas carenciadas, doentes ou dependentes”.

A cantina social, a inscrição nas hortas sociais ou o apoio pontual a carenciados, traduzido no “pagamento de água, luz, transportes” são assuntos igualmente trados no GAS onde “ajudamos até ao limite”. Mas “nem sempre somos acompanhados pelas restantes entidades”, explica Lurdes Silva aludindo à falta de mais legislação que ajude a solucionar dificuldades “por exemplo, nos casos das pessoas semi-dependentes”.

E aqui entra a história de duas irmãs do Fundão que há 15 anos se cruzaram a primeira vez com o GAS. De então para cá, por diversas vezes e em diferentes circunstâncias “temos ajudado mas a nossa determinação  nem sempre é suficiente pois impera a vontade própria” das utentes.

A coordenadora do GAS admite que “a missão de servir pessoas nem sempre é fácil” e que muitas vezes “o mais rápido seria descartar” ou encaminhar para outras instâncias algumas das solicitações. Porém “é enriquecedor esforçarmo-nos para ajudar”, conclui.

A determinação e empenho que caracterizam o trabalho do GAS permitiram à SCMF acolher outras respostas nomeadamente para vítimas de violência doméstica e outros casos mais agudos. “Houve um tempo em que ao abrigo de um protocolo distrital acolhíamos, no lar da Misericórdia, vítimas de violência doméstica”, explica Tânia Batista.

Relatos na primeira pessoa por parte de quem ocupa o tempo de serviço entre o GAS e o trabalho externo que muitas vezes é realizado nos centros de dia da SCMF, nas visitas surpresa e de apoio domiciliário ou na celebração de datas festivas, junto de utentes e colaboradores de todas as estruturas de apoio a idosos na SCMF.

Além do trabalho burocrático e de aconselhamento a pessoas, não raras vezes as técnicas do GAS arregaçam as mangas e criam lembranças que mais tarde serão mimo para as centenas de utentes cujas vidas se cruzam e redesenham nos dossiers e ficheiros excel no GAS.

Mas na SCMF as pessoas não são números e por essa razão “os utentes estão sempre em primeiro lugar”.