O Desporto como Bálsamo para Seniores

“Não há idade para descobrir o golfe”. A frase foi dita por Fernando Dias Ferreira, utente da Santa Casa da Misericórdia do Fundão (SCMF), na edição de 2018 das Olimpíadas Seniores que o Centro Comunitário das Lameiras organizou na vila de Silvares (Fundão).

Fernando fez parte de um grupo de seniores institucionalizados em dois dos lares e centros de dia da SCMF que aceitaram o desafio das animadoras socio culturais e quiseram participar num convívio desportivo onde estiveram outros duzentos seniores dos concelhos do Fundão, Covilhã e Pampilhosa da Serra.

Além de Fernando, ouvimos Fernanda Almeida que vincou a mais-valia do “convívio e distração” entre pares evitando “rotinas e o pensamento constante nas doenças”.

Uma opinião partilhada por Silvina Jorge. “Já sou repetente aqui nas olimpíadas e o ano passado ganhei no minigolfe”, contou a utente do centro de dia do Fundão.

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Além do minigolfe, houve bowling, captura de bolas, malha numérica e um mini circuito para cadeira de rodas pois a inclusão é uma das diretrizes das Olimpíadas que desta vez reuniram duas dezenas de instituições particulares de solidariedade social (IPSS).

Não é a primeira vez que ocorrem iniciativas desta dimensão e natureza. Constatando este facto comprovado pela forte adesão das IPSS, importa lembrar que também na SCMF fomos pioneiros na realização de encontros que assinalam o Dia dos Avós ou a comemoração do Dia Mundial da Terceira Idade.

Seja como for a relevância destes encontros assenta na possibilidade de seniores institucionalizados em IPSS de várias geografias poderem conhecer-se e estimular a partilha ou a comunhão do conhecimento de tradições, da oralidade e até das vivências entre pares.

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Veja-se o caso da comemoração do Dia de São Martinho que no caso da SCMF tem possibilitado o convívio entre utentes das mais variadas respostas da Instituição espalhadas por várias freguesias dos concelhos do Fundão e da Covilhã.

Uma vez aqui chegados importa continuar a desenvolver projetos que aproximem pessoas e territórios vincadamente caracterizados pelo despovoamento.

De cada vez que os seniores se juntam abre-se uma janela para a memória, derrubam-se fronteiras e promovem-se sorrisos rasgados tantas vezes polvilhados de abraços, danças e outros ritmos que promovem o envelhecimento ativo e acrescentam vida aos anos.

Parabéns à organização das Olimpíadas Seniores e às IPSS que travam a desertificação humana.

Enquanto as nossas aldeias continuarem a ter respostas sociais que permitam a permanência das suas gentes nessas terras, estaremos todos a lutar contra o despovoamento do território.

Há Música na Unidade de Cuidados Continuados

A presença do trio de acordeão da Academia de Música e Dança do Fundão quebrou a rotina da hora do lanche na Unidade de Cuidados Continuados Integrados (UCCI) e lar Nossa Senhora de Fátima da Santa Casa da Misericórdia do Fundão.

À hora marcada a professora Lurdes Salvado e dois alunos das classes de acordeão (Catarina Marques e João Costa) entram na UCCI e no lar. A monotonia de uma tarde de junho é substituída pelos acordes dos instrumentistas que percorrem os corredores do edifício e posteriormente entram no quarto dos utentes não dependentes.

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Ainda vêm longe do quarto de Ana Rosa e já aquela natural de Orca, no concelho do Fundão, se lembra dos acordes da concertina do mestre Alziro Galante que tantos bailes animou lá para o sul da Gardunha.

Ana Rosa tem 59 anos, não sabemos das razões que a mantêm institucionalizada no lar mas registamos o agrado e satisfação estampados no rosto quando “Lisboa Menina e Moça” escrita por Ary dos Santos toma conta do ambiente.

Embora o edifício da UCCI e lar não esteja no Terreiro do Paço nem na Graça, como descreve o poema, a melodia pode ser “o pombo que olha a mulher e a faz sorrir”.

Rosa não é a única utente da SCMF rendida ao acordeão nem às lembranças da concertina de Alziro Galante. A centenária Lucinda Pereira (102 anos) oriunda de Póvoa de Atalaia, esboça um sorriso e diz “gostei muito sim senhora”. À pergunta se conhece a canção interpretada por Carlos do Carmo, Lucinda encolhe os ombros. Ana Rosa que presencia a conversa identifica a melodia, que também tem dedo de Fernando Tordo e Paulo de Carvalho, e diz-nos que “o senhor Alziro não tocava destas”.

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“A concertina é mais popular. Até o som é diferente”, esclarece Ana Rosa diante a professora de acordeão que minutos antes havia explicado a diferença entre dois instrumentos aparentemente iguais.

Lucinda Pereira retoma a palavra para nos dizer que dançou muitas vezes ao som da concertina. “Se me lá agarrasse, nesse tempo. E o realejo ou a concertina?”   – Pergunta quem recorda “os domingos à tarde no largo atrás da igreja. As cachopas do campo com saias rodadas e os rapazes que comandavam o baile”.

A tarde prossegue e a presença do acordeão tem tanto de divertido como de mágico. Ao som das melodias uns e outros vão desfiando memórias dos seus antepassados na aldeia ou nos santos populares. Nas ruas e praças. Nas festas de grupo onde não faltava o acordeão, realejo e até a guitarra.

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Luísa Venâncio ainda mal terminou a higiene após o lanche e já os olhos e ouvidos se fixam na porta que dá acesso ao corredor de onde vem o som do corridinho do Algarve. “Algarve em Flor” é melodia universal e as memórias que lhe estão associadas transportam Luísa para o sol dourado ou para a alegria do jardim à beira mar.

Ana Tavares Gonçalves está a oxigénio. Deitada na cama tenta levantar a cabeça quando se dá conta da música. Mal ela sabe que no grupo de acordeonistas está um sobrinho neto. João Costa conhece a senhora Ana e a utente da SCMF também sabe quem é “o filho da Teresa” e por essa razão sorri. Em dois minutos levanta-se e coloca-se mesmo à frente dos acordeões para os ouvir e aplaudir. Bate palmas de forma insistente e protesta por não poder dançar. “Não há música como esta”, diz-nos. Ao mesmo tempo lamenta-se por não ter ali à mão o porta-moedas, pois “estes jovens merecem um refresco ou um geladinho”, atira quem ganhou anos de vida só por ouvir o acordeão.

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Susete Rebordão e Maria Prazeres também estão institucionalizadas nas respostas da SCMF, sintonizam a televisão que destaca o jogo de futebol entre as seleções da Rússia e de Portugal. Mas mal ouvem a “Oliveirinha da Serra” recentram o olhar e a atenção delas vai toda para a melodia popular. Maria Prazeres já está habituada a estes mimos. De vez em quando os alunos e professores da Academia de Música e Dança do Fundão (outra resposta da SCMF) levam a música ao lar e à UCCI.

Susete Rebordão é nova na SCMF mas faz questão de elogiar os serviços da instituição e frisa que embora resida na Covilhã há 38 anos é no Fundão que tem “muitos primos” e muitas referências que vão além da cereja e do Jornal do Fundão. Ficamos sem saber se Susete ainda é parente de Amália Rodrigues mas temos a certeza que gosta muito de música popular.

Um gosto partilhado com Manuel Pais que no refeitório da UCCI chega a emocionar-se com o som do acordeão e nos recorda como lá em Orjais – a sua terra – também se ouve a concertina. A ocasião é musicalmente acompanhada pelo “Vira do Minho” e temos a certeza que se a saúde lho permitisse Manuel Pais haveria de gostar de dançar o vira pois “as voltas do vira são boas de dar”.

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