A Visita de Otília

Duas dezenas de utentes da Misericórdia do Fundão passaram o Dia Mundial do Turismo na vila termal de Unhais da Serra (Covilhã). A ideia surgiu no dia em que a utente do lar de São Sebastião na Capinha manifestou vontade de dar a conhecer a sua terra e visitar a família. Otília Santos não ia a Unhais da Serra desde as últimas eleições autárquicas. “Foi há um ano que vim cá para votar. Venho poucas vezes mas os meus sobrinhos visitam-me amiúde”, referiu-nos a simpática octogenária momentos antes de chegarmos ao Cruzeiro alusivo à Restauração.

Há mais de vinte anos que não subia ao miradouro de Unhais da Serra  mas na manhã de 28 de setembro de 2018 soube-lhe bem contemplar a paisagem e sentir a brisa fresca vinda da serra da Estrela. Indiferente ao negro da paisagem que marca as serras, por causa do incêndio do Verão de 2017, Otília prefere centrar-se nas imagens do casario de Unhais e no local onde há muitos anos existiram as primeiras termas da vila.

A utente da Santa Casa da Misericórdia do Fundão (SCMF) também fala do H2O, o hotel cuja volumetria sobressai na paisagem que em tempos foi flagelada pelos incêndios mas que atualmente se caracteriza por um verde que prende o olhar. Feliz com o regresso à sua geografia de sempre, Otília esboça um sorriso contagiante e diz-nos que “à nossa terra vimos sempre, pois a nossa terra chama por nós”.

E chama! O périplo por Unhais da Serra começou no Centro Social e Paroquial de Santo Aleixo. Otília pediu para dar um abraço e um beijinho à irmã Maria Cândida Santos e ao cunhado Virgílio Santos Mendes. Um pedido de uma utente da SCMF é uma ordem e a equipa de animação fez-lhe a vontade. Mal Otília entrou na sala de convívio da Instituição Particular de Solidariedade Social que tem o nome do Santo da Freguesia, logo se ouviram vozes a chamar por Otília. “Então Otília, estás cá? Vieste ver-nos? Estás com bom aspeto”.

E a conversa de poucos minutos soube-lhes a serenidade envolta em alegria. Um estado de alma capaz de minimizar a saudade de quem deixou os seus amigos, familiares e vizinhos há uns anos. “Estive em Espinhel numa casa de recuperação e há dois anos que moro no lar da Capinha”, explica-nos.

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Otília conhece Unhais como as palmas das mãos e sabe a história de vida de muitos dos habitantes da localidade onde existe a Associação de Doentes com Paramiloidose. Essa doença também conhecida como a doença dos pezinhos e que em tempos teve forte expressão na Beira e em particular na vila de Unhais da Serra. http://www.paramiloidose.com/paramiloidose.php?a=2&id=2

Bem informada sobre vivências e tradições locais, Otília faz gosto em mostrar-nos a igreja matriz e com uma pontinha de orgulho e devoção elucida o grupo sobre Santo Aleixo, o padroeiro de Unhais.

A jornada que nos levou ao novo complexo termal de Unhais (reabriu ao público há oito anos) encantou qualquer um dos convivas. Manuel Costa Barros de 84 anos é natural do Alcaide (Fundão) e desde que entrou para o Centro de Dia do Fundão não para de se surpreender. Há dias adorou as atividades que marcaram o Dia mundial do Alzheimer na Quinta Pedagógica do Fundão e desta vez não escondeu a alegria de sair “de casa” para um passeio “tão reconfortante”. “Só é pena a serra estar toda depenada”, diz –nos o antigo ferroviário que se lembra de ter estado em Unhais da Serra “há mais de 40 anos”. “Isto está muito evoluído”, afirma entre sorrisos de congratulação o idoso que certamente não estará a par do despovoamento que também marca aquela vila no sopé da Estrela.

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Encantado com o almoço no Parque de Merendas e o café na esplanada da Praia Fluvial, Manuel Barros afirma que o mais marcante do passeio foi mesmo o bocado de manhã passado no miradouro ao pé do Cruzeiro. “Um sítio muito bonito, avista-se dali meio concelho da Covilhã. Só me faltou conseguir ver as escombreiras”, descreveu aludindo às Minas da Panasqueira.

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De Sobreira Formosa ao Fundão

Cerca de uma hora de caminho separa Sobreira Formosa no concelho de Proença-a-Nova da cidade do Fundão. Uma e outra localidade têm em comum uma certa ruralidade. Mas foi a missão social das Misericórdias que juntou os dois territórios num intercâmbio cujo epicentro foi a Quinta Pedagógica do Fundão.

A Quinta Pedagógica localiza-se imediatamente à entrada sul da cidade do Fundão e representa o postal de boas vindas da Santa Casa da Misericórdia do Fundão. A secular Santa Casa do Fundão recebeu no dia 20 de julho a visita de duas dezenas de utentes da Misericórdia de Sobreira Formosa. A instituição particular de solidariedade social tinha boas referências quanto à diversidade das respostas sociais da Santa Casa do Fundão e a diretora técnica Ana Margarida Ribeiro não hesitou em contactar a Misericórdia da “Terra da Cereja”. Cedo percebeu que “Fundão é terra de Coração” e o sentimento de satisfação e divertimento no Fundão foi de tal ordem que no final da visita os visitantes improvisaram um hino de despedida cheio de energia.

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A canção improvisada no dia anterior entusiasmou os convivas e ganhou maior expressão quando chegaram ao Fundão e foram recebidos na Quinta Pedagógica da Misericórdia com um momento de música popular interpretado pelo Coro Sénior da Santa Casa local. A mestria da professora Carla Duarte e o acordeão do trio da Academia de Música e Dança do Fundão liderado pela professora Lurdes Salvado deixaram os cantores séniores e a plateia de garganta afinada e sorriso franco.

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Embora o intercâmbio promovido pela Misericórdia de Sobreira Formosa exista há sete anos, os utentes das várias respostas sociais daquela organização localizada no Pinhal Interior renderam-se às cantigas populares. Domingos Dias Henriques já conhecia o Fundão. Gostou do passeio e de ouvir o coro. “O Fundão é bonito e aqui está fresco”, diz-nos o ancião de chapéu de palha com uma fita do Benfica. A declaração contente de Domingos é corroborada por Adelaide Dias Cardoso de Atalaia do Ruivo. Sentada à beira da casa das brincadeiras em plena área de lazer da Quinta Pedagógica do Fundão confessa-nos: “Gostei muito do coro porque até sabia as cantigas!”. O sentimento de gratidão confunde-se com a surpresa quanto ao espaço onde se iniciam as atividades que ao longo da jornada haverão de levar os “turistas” a outros locais frescos e prazíveis do Fundão. O Parque do Convento, por exemplo!

“No Fundão há muita cereja e num ano destes os meus familiares de Lisboa vieram cá fazer um passeio às cerejeiras em flor”, conta-nos Adília Pires Martins que reside em Sobreira Formosa e sempre ouviu “falar bem” destas terras.

Foi a fama da Quinta Pedagógica do Fundão que aproximou a Misericórdia de Sobreira Formosa da sua congénere na Cova da Beira. Ana Margarida Ribeiro idealizou um regresso ao campo pois sabe como as vivências mais antigas ajudam a renovar a memória da população sénior. E assim aconteceu no périplo pela Quinta. As caturras e periquitos o “lindinho” que é o bode ou a elegante égua Joana iniciaram a “terapia” para os idosos visitantes.

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Rendidos aos encantos da vida no campo e à memória das mais-valias do ar puro, uns e outros trocam palavras de apreço e soltam gargalhadas pela memória dos tempos em que ser jovem significava sachar, regar ou tratar do gado.

Agostinho Dias Delgado veste de negro. Veio ao Fundão para se animar pois ficou viúvo. Em cima da ponte sobre o lago da Quinta Pedagógica observa uma aprendiza de mondadeira e logo acelera o passo e eleva a voz para dizer aos companheiros de visita que há ali monda e que tem de experimentar. Arregaçou as mangas e embora o punho do blusão tivesse pouca margem para subir do pulso ao cotovelo do braço, Agostinho não esteve com mais pormenores. Começou a arrancar as ervas dos morangueiros.

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Satisfeito e com o olhar a reluzir confessa-nos que “toda a vida” trabalhou no campo. “Tenho saudades da horta, mas já não tenho forças”, afirma quem no entanto ainda manifesta curiosidade em concretizar um passeio equestre. “Cheguei a andar de cavalo, sei como é mas já não tenho força”, confessa o bem-disposto utente da Misericórdia de Sobreira Formosa.

O grupo é bastante autónomo e as pessoas que o constituem tiveram variadas ocupações. Felisbela Pereira lembra-se do Portugal no tempo da ditadura de Salazar e orgulha-se de ter sido administrativa no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Recorda a vida em Lisboa e as viagens à Beira Baixa bem como as encomendas de cereja da região. “E quando não vínhamos, havia sempre um colega do Fundão que nos leva as cerejas do Fundão”.

E ainda há cerejas, pergunta Domingos Henriques!

É pouco provável que a comitiva ainda tenha conseguido comprar cerejas do Fundão mas na bagagem para Sobreira Formosa levaram, certamente, as boas recordações de um dia cheios de conversas, experiências e jogos tradicionais.

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O intercâmbio entre organizações também pode acrescentar vida aos anos. Assim será quando os utentes da Misericórdia do Fundão forem à Santa Casa de Sobreira Formosa. Boas práticas!